Se seus olhos falassem o quê eles diriam?

Foto: @Samira


Alguns olhos diriam que nos tornamos perseguidores de causas vazias e admiradores de falsos troféus. Estamos esquecendo de valorizar os sacrifícios da corrida por admirar cegamente o pódio. Paramos de reconhecer, que além de nossos compromissos pessoais e profissionais, também carregamos deveres sociais, os quais deveriam ser encarados por nós como um compromisso ético e não apenas como uma obrigação. Estamos colocando nas mãos de alguns a responsabilidade que é primeiramente nossa. Não é sentado no início da escada que chegaremos ao topo. A fada madrinha não existe, o desejo sozinho não opera milagres e adiar o trabalho só servirá para acumular os problemas.

Outros olhos admitiriam a urgência de tornar a igualdade racial real. Respeitar a diversidade de gênero, religião, sexualidade, etnia e regionalismo. Igualdade deve ser uma realidade concreta, ao invés de uma promessa em aberto. Essa necessidade não refere-se apenas à uma questão política e moral, mas também humana, pois de nada vale uma democracia, se seus indivíduos não comungam das mesmas oportunidades e direitos. A lei existe para defender os interesses de um todo, mas para onde estamos olhando que não enxergamos isso?

O valor do salário deve corresponder a qualidade do trabalho e não ao sexo do funcionário. A diversidade religiosa não é campo de guerra, pois não estamos em lados opostos, pelo contrário, buscamos a mesma coisa: PAZ e AMOR. Todos nós temos o direito de amar e formar uma família segundo os nossos desejos, sendo assim, é autoritário demais querer estipular o "jeito certo" de amar e de constituir laços com alguém. Temos o direito de cantar aquilo que nos toca, de dançar o som que nos define e de ter a crença que decidimos ser a melhor para o nosso modelo de vida. Não existe sotaque inferior, visto que a grandeza de um sujeito não vem da sua forma de falar, mas sim, vem da sua índole e de suas ações. De que maneira estamos olhando para o mundo, para as pessoas e para nós mesmos? A nossa cor, cabelo, altura ou peso, nos torna diferentes, mas nossos direitos e deveres, sempre nos colocam em posição de igualdade. O quê ocupa nossa atenção que não nos deixa perceber essas verdades?

Nossos olhos acertariam ao dizer que mesmo munidos de direitos, ainda não nos apoderamos deles e que por isso, mantemos uma postura passiva diante da problemática social de hoje. A cada dia assistimos o banal visitar a nossa vida como algo comum e paramos de nos preocupar com o que é trágico. Mulheres estão sendo julgadas por suas roupas ou abusadas simplesmente por serem MULHERES. A nossa desordem impede o progresso do nosso país e faz da nossa pátria um lugar habitado por pessoas que ainda não perceberam a seriedade da situação. Nessas condições, o louco não é aquele que defende a causa certa, mas aquele que se acostuma com os efeitos da causa errada. É triste encontrar conflitos, mas é aterrorizante viver sem fazer o necessário para finalizá-los.

Se nossos olhos falassem, diriam que estamos alimentando correntes virtuais e deixando de firmar compromissos com a solução dos problemas do mundo real. Queremos tanto sermos vistos e no final das contas, o que temos de melhor continua escondido. Cuidamos do nosso corpo para respeitar um padrão e não nos tocamos que é esse molde estético que desrespeita aquilo que somos. Estamos sempre correndo, mas insistimos em andar com passos lentos, no que se refere a correção das falhas políticas e morais da nossa sociedade. Não basta se comover com as fatalidades de agora. Se não existir um comprometimento pessoal com a transformação, a causa perde força e a decadência social se fortalece. Os olhos falam tudo, mas diante dos fatos,alguns fazem pouco e muitos fazem nada.

Nossos olhos não falam, eles gritam, estão ecoando em todos os espaços da nossa rotina, mas parece que nos acostumamos a não ouvir. Deixamos de ser bons mosqueteiros, visto que criamos o lema “Um por ele mesmo” e matamos aos poucos a dádiva do “Todos por um”. Atualmente, ter um discurso de igualdade virou sinônimo de status, mas o tirar do papel, o fazer acontecer, ainda continua sendo um futuro que sobrevoa o hoje, mas infelizmente, vive pousando no futuro distante. É chato o discurso idealista e humanista? O chato é um cadeirante não ter rampas de acesso em unidades públicas ou esperar horas por um ônibus adaptado. Irritante é ter os direitos encarados como favores. É tolice lutar contra coligações partidárias, ao invés de em conjunto, trabalhar no fornecimento de condições dignas de vida, para toda e qualquer pessoa. O "x" da questão não é problema para segundo tempo, já que um paciente na fila do SUS, talvez não tenha alguns minutos de acréscimos. Pode soar como ironia, que seja então, mas enquanto andarmos por essas ruas, sem olhar para os lados, corremos o risco de ver o desastre e achar que não temos responsabilidade sobre isso.

Se meus olhos falassem, diriam que mesmo imersa nessa onda gigante, a qual chamo de sociedade, continuo nadando para atingir um cantinho seguro e possibilitar que outros também consigam. Se cada um compartilhar os remos e nadar em direção ao sentido certo, não será preciso o sacrifício de muitos para conquistar a glória de alguns.

Se seus olhos falassem, diriam que por mais que essas palavras carreguem verdades e protagonistas ocultos, você deve conhecer alguém que vive esses papéis e que comunga dessas realidades. Sendo assim, o que o diretor faz para fazer da cena um bom espetáculo? Ele estuda os conflitos, testa as possibilidades, cria alternativas, recarrega sua equipe, ouve sugestões e reconhece o valor da ação. Viver esperando algo bom acontecer não é otimismo, é ser adepto de uma espera sem ação. Precisamos agir como diretor da situação, parando de delegar responsabilidades e começar a fiscalizar de perto as nossas próprias ações. Precisamos agir e cumprir nossa parcela de dever para com a realidade de agora. A mudança que tanto queremos começa em nós. Não podemos esquecer que o ato de ficarmos calados e parados, nos torna parte do problema.

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